15 DE OUTUBRO
36. SANTA TERESA DE JESUS
Virgem e Doutora da Igreja
Memória
– Necessidade da oração. A sua importância capital na vida cristã.
– Trato com a Santíssima Humanidade de Jesus.
– Dificuldades na oração.
Santa Teresa de Jesus nasceu em Ávila no dia 28 de março de 1515. Entrou no Carmelo aos 18 anos. Aos quarenta e cinco, correspondendo às graças extraordinárias que recebia do Senhor, empreendeu a reforma da Ordem, ajudada por São João da Cruz, sofrendo com firmeza inúmeras dificuldades e contradições. Os seus escritos são um modelo para alcançar a união com Deus. Morreu em Alba de Tormes no dia 4 de outubro de 1582, e Paulo VI declarou-a Doutora da Igreja no dia 17 de setembro de 1970.
I. SANTA TERESA mostrou-nos com a sua vida como a oração permite transpor dificuldades que humanamente parecem insuperáveis, realizar certos “impossíveis” que algumas vezes o Senhor nos pede.
Mais de uma vez, ao longo da sua vida, escutou estas palavras do Senhor: Que temes? E aquela mulher – já avançada em anos, doente, cansada – cobrava forças para lançar-se aos seus empreendimentos e voltava à brecha superando todos os obstáculos. Um dia, depois da Comunhão, quando o seu corpo parecia resistir a estabelecer novas fundações, ouviu Jesus dizer-lhe no seu interior: “Que temes? Quando te faltei eu? O mesmo que fui, sou-o ainda agora; não deixes de fazer essas duas fundações” (o Senhor referia-se a Palência e Burgos). A Madre Teresa exclamou: “Ó grande Deus! Como são diferentes as vossas palavras das dos homens!” “E assim – prossegue a Santa – fiquei tão resolvida e animada que o mundo inteiro não bastaria para me opor obstáculos”1.
Anos mais tarde, escreveria acerca da fundação feita em Palência, que a princípio se tinha apresentado cheia de dificuldades: “Nesta fundação, tudo nos vai indo tão bem que não sei em que há de parar”2. E em outro lugar: “Cada dia se entende mais como foi acertado fazer esta fundação”3. E dizia a mesma coisa da outra cidade: “Também há em Burgos tantas que querem entrar, que é uma pena não haver onde”4. Isto cumulava-a de felicidade e alegria, apesar do muito que lhe tinha custado: “Pareceu-me que não agüentaria ir a Burgos com tantas doenças [...], sendo tão frio”5. O Senhor nunca a deixou só.
É na oração que obtemos forças para levar a cabo o que o Senhor nos pede. E isto cumpre-se tanto na vida do sacerdote, como da mãe de família, da religiosa, do estudante... Por isso, é grande o empenho do demônio em que abandonemos a nossa oração diária, ou a façamos de qualquer maneira, mal, pois “sabe o traidor que está perdida para ele a alma que persevera na oração; e que, se a fizer cair, as próprias quedas a ajudarão, pela bondade de Deus, a dar um salto muito maior no serviço do Senhor. É coisa que muito lhe interessa”6. As almas que estiveram perto de Deus sempre nos falaram da importância capital da oração na vida do cristão. “Não nos estranhe, pois – ensinava o Santo Cura d’Ars –, que o demônio faça tudo o que está ao seu alcance para levar-nos a abandonar a oração ou a fazê-la mal”7.
A oração é o fundamento firme da perseverança, pois “quem não deixa de andar e progredir – ensina a Santa –, mesmo que tarde, afinal chega. Para mim, perder o caminho não é senão abandonar a oração”8. Por isso, temos de prepará-la com esmero: sabendo que estamos diante de Cristo vivo e glorioso, que nos vê e nos ouve como àqueles que dEle se aproximavam quando vivia na terra visivelmente. Que diferente se torna o dia em que, serenamente e com amor, procuramos cuidar desse tempo diário que dedicamos a falar com o Senhor que nos escuta atentíssimo! Que alegria podermos estar agora junto de Cristo! “Olha que conjunto de razões sem razão te apresenta o inimigo para que abandones a oração: «Falta-me tempo» – quando o estás perdendo continuamente –; «isto não é para mim», «eu tenho o coração seco»...
“A oração não é um problema de falar ou de sentir, mas de amar. E ama-se quando se faz o esforço de tentar dizer alguma coisa ao Senhor, ainda que não se diga nada”9.
Façamos o propósito de nunca a deixar, de dedicar-lhe o melhor tempo que nos for possível, no melhor lugar, diante do Sacrário, sempre que os nossos afazeres o permitam.
II. A NOSSA ORAÇÃO tornar-se-á mais fácil se, com o decidido empenho de não consentir em distrações voluntárias, procurarmos meditar na Santíssima Humanidade de Jesus, fonte inesgotável de amor, que facilita tanto o cumprimento da vontade divina.
A própria Santa nos conta a capital importância que teve na sua vida um pequeno episódio que deixou uma marca indelével na sua alma: “Aconteceu-me que, entrando um dia no oratório – escreve –, vi uma imagem que haviam trazido para guardar ali [...]. Era de Cristo muito chagado, tão devota que, só de pôr nela os olhos e vê-lo em tal estado, fiquei toda perturbada, porque representava bem ao vivo o que passou por nós. Foi tanto o que senti por ter-lhe agradecido tão mal aquelas chagas, que parecia partir-se-me o coração. Lancei-me a seus pés, derramando muitíssimas lágrimas e suplicando-lhe que me fortalecesse de uma vez para não o ofender mais”10.
Não foi uma reação sentimental o que a fez chorar, mas o amor a Cristo, que tanto nos ama e tanto padeceu por nós como prova de amor. E é tão natural procurarmos numa imagem, num retrato, o rosto de quem se ama! Por isso a Santa acrescenta mais adiante: “Desventurados os que por sua culpa perdem tão grande graça! Bem parece que não amam o Senhor, pois, se o amassem, folgariam de ver o seu retrato, como no mundo dá contentamento contemplar o de uma pessoa a quem se quer bem”11.
Poderá ser-nos útil também servir-nos da imaginação para representar com imagens claras o nascimento de Jesus em Belém, o lar de Nazaré onde o Senhor aprendeu a trabalhar..., as aflições do Coração de Maria na fuga para o Egito..., a sua dor no Calvário. Noutras ocasiões, aproximar-nos-emos do grupo dos discípulos que ouvem a explicação de uma parábola; acompanharemos Jesus naquelas longas caminhadas de cidade em cidade, de aldeia em aldeia...; entraremos com Ele na casa dos seus amigos de Betânia e contemplaremos o afeto com que o recebem, e aprenderemos a tratá-lo melhor no Sacrário. Não podemos formar uma figura sem contornos e longínqua de Jesus. Ele é o Amigo sempre próximo e atento, com um coração de carne que palpita como o nosso.
Na oração mental, encontramo-nos com Cristo vivo, que nos espera. “Teresa rejeitava os livros que propunham a contemplação como um vago engolfar-se na divindade (cfr. Vida 22, 1) ou como um «não pensar em nada» (cfr. Castelo interior, 4, 3, 6), vendo nisso o perigo de a pessoa se debruçar sobre si mesma, de afastar-se de Jesus, do qual nos «vêm todos os bens» (cfr. Vida 22, 1). Daí o seu grito: «Afastar-se de Cristo..., não o posso sofrer» (Vida, 22, 1). Esse grito é válido também nos nossos dias, contra algumas técnicas de oração que não se inspiram no Evangelho e que praticamente tendem a prescindir de Cristo, em favor de um vazio mental que não tem sentido dentro do cristianismo”12.
Muitas das nossas dificuldades desaparecem quando nos pomos na presença do Senhor, cuidando muito bem da oração preparatória: Creio firmemente, Senhor, que estás aqui, que me vês, que me ouves; adoro-te com profunda reverência... E se estamos na sua presença, como aqueles que o escutavam em Nazaré ou em Betânia, já estamos fazendo oração. Olhamo-lo, e Ele nos olha...; formulamos-lhe um pedido...; tornamos nosso aquilo que talvez estejamos lendo, detendo-nos num parágrafo ou tirando um propósito para a nossa vida cotidiana: atender melhor a família, sorrir mesmo que estejamos cansados, trabalhar com mais intensidade e presença de Deus, falar com um amigo para que se confesse... Acontecerá conosco o mesmo que com Santa Teresa e com todos aqueles que têm feito verdadeira oração: “Sempre saía consolada da oração e com novas forças”13, confessa-nos.
III. NÃO DESANIMEMOS se, apesar de tudo, a oração nos custa, se temos distrações, se parece que não obtemos muito fruto. O desalento é em muitas ocasiões a maior dificuldade para perseverarmos na oração. Santa Teresa também nos relata as suas lutas e as suas dificuldades: “Durante alguns anos, muitíssimas vezes, mais me ocupava em desejar que terminasse o tempo que fixara para ter oração e em escutar se o relógio dava as horas, do que em outras coisas boas; e fartas vezes não sei que penitência grave se me apresentaria que eu não a acometesse de melhor vontade do que recolher-me a orar mentalmente”14.
Se procurarmos afastar as distrações e nos empenharmos em buscar mais o Deus dos consolos do que os consolos de Deus, como sublinharam tantos autores espirituais, a nossa oração terminará sempre cheia de frutos. Muitas vezes, será até um grande bem não experimentarmos nenhum consolo sensível, para assim procurarmos Jesus com maior retidão de intenção e unirmo-nos mais intimamente a Ele.
Às vezes, essa aridez que se experimenta na oração não é uma prova de Deus, mas resultado de uma verdadeira falta de interesse em falar com Ele, de falta de preparação interior, da falta de generosidade em dominar a imaginação... Temos que saber retificar com generosidade e prontidão. “Em todo o caso, quem se empenha seriamente deve saber que virão tempos em que lhe parecerá vaguear por um deserto e em que, apesar de todos os seus esforços, não «sentirá» nada de Deus. Deve saber que ninguém que leve a sério a oração consegue estar totalmente livre dessas provas. Mas não deve identificar imediatamente esta experiência, comum a todos os cristãos que rezam, com a noite escura de tipo místico. De qualquer modo, nesses períodos, deve esforçar-se firmemente por persistir na oração; ainda que tenha a impressão de uma certa “artificialidade”, deve saber que se trata na verdade de algo completamente diverso: é precisamente então que a oração constitui uma expressão da sua fidelidade a Deus, em cuja presença quer permanecer apesar de não ser recompensado por nenhuma consolação subjetiva”15.
Agora, como nos tempos conturbados de Santa Teresa, “é precisa muita oração”, pois “é grande neste momento a sua necessidade”16. A Igreja, a sociedade, as famílias e as nossas almas precisam dela. A oração permitir-nos-á vencer todas as nossas dificuldades e unir-nos-á a Jesus, que nos espera diariamente no trabalho, nos nossos deveres familiares..., e de maneira particular nesse tempo que dedicamos somente a Ele.
(1) Santa Teresa, Fundações, 29, 6; (2) idem, Carta 348, 3; (3) idem, Carta 354, 4; (4) idem, Carta 145, 8; (5) idem, Fundações, 29, 11; (6) idem, Vida, 19, 2; (7) Santo Cura d’Ars, Sermão sobre a oração; (8) Santa Teresa, Vida, 19, 5; (9) Josemaría Escrivá, Sulco, n. 464; (10) Santa Teresa, Vida, 9, 1; (11) ib., 9, 6; (12) João Paulo II, Homilia em Ávila, 1-XI-1982; (13) Santa Teresa, Vida, 29, 4; (14) ib., 8, 3; (15) S. C. para a Doutrina de Fé, Sobre alguns aspectos da meditação cristã, 15-X-1989, n. 30; (16) cfr. Santa Teresa, Carta 184, 6.